segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Meus pais, meus fantasmas

Por que aos 8 anos de idade um menino modifica todo seu estado de espírito perante um fato?
Fui chamado na sala de aula para voltar para casa, qual  minha felicidade, pensando nos bolos e doces que minha mãe preparava e por certo havia pedido à diretora para me chamar...
Caminhei 2 quadras na cidade pacata em que vivia, segurando a mão da empregada que aflita dizia: "- anda menino, anda menino"..Ao me aproximar de casa um murmúrio de vozes e a medida que eu me aproximava das pernas das pessoas sentia passarem a mão em minha cabeça, em meu cabelo, algumas se abaixavam e beijavam minha face, outras diziam "pra quê trouxeram o menino?".
Nunca o percurso da escola até em casa fora tão longo..eu estava no espaldar de casa, mas não podia entrar, ia e voltava na mão da moça que trabalhava para meus pais.
A esta altura eu já havia me esquecido dos bolos e confeitos de minha mãe e rezava intimamente para que meus pais não estivessem doentes ou algo parecido..tudo tão confuso, até que minha amada irmã veio a meu encontro, me abraçou chorando e disse "- meu amor..meu amor..perdemos tudo..tudo.."
Pela emoção que senti e mesmo sem entender o que se passava a meu redor eu também desci algumas lágrimas no ombro de minha irmã que me pegou no colo. Mas eu desci do colo dela, afinal eu era um homem, se não um homem grandão, mas um menino-homem.
Policiais estravam e saíam de casa, ambulância estacionada com motor ligado. Uma multidão..
Foi então que larguei minha mochila com todos meus preciosos cadernos e trabalhinhos dentro e corri entre as árvores de casa, tentando encontrar minha mãe e meu pai.
O pároco me puxou a camisa "menino não entre aí"..mas eu me esquivei e corri..e..infelizmente vi a cena mais lamentável, inexata, desconexa de toda minha vida. os corpos de meus pais cobertos de sangue, vítimas de uma violência sem precedentes em nossa cidade, vítimas da ganância do homem. Vítimas.


Eu quis gritar para que eles se levantassem e falassem comigo, minha irmã, com o rosto vermelho, dando sinais que ia desmaiar, gritou meu nome e não lembro de mais nada.

Acordei na Sta Casa, tudo muito branco, desejei que tivesse tido um pesadelo, mas a freira, com o terço entre os dedos, à cadeira ao meu lado teimava em me trazer à realidade. Minha irmã no leito ao lado lívida e com os olhos inchados me chamavam a trágica realidade: o ser 'humano' mais uma vez tirou a vida de outro ser humano em sua mais primitiva forma de poderio.'
Eu ouvia "Senhor, tende piedade de todos nós.." e eu repetia 'tende piedade senhor'.

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